Sun Simiao e a visão chinesa dos olhos: existe iridologia na Medicina Tradicional Chinesa?
Autora: Silviane Silvério
Data: 14 de outubro de 2025
Tempo médio de leitura: 7 minutos
Palavras-chave: Sun Simiao, Medicina Tradicional Chinesa, diagnóstico ocular, iridologia comparada, Qianjin Yaofang, olhos como espelho do Qi, Giovanni Maciocia, Fígado e os olhos
Resumo
Embora a iridologia moderna (de origem europeia) não tenha sido descrita por autores clássicos chineses, a observação dos olhos como parte do diagnóstico é um pilar milenar da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Um de seus maiores expoentes, Sun Simiao (581–682 d.C.), conhecido como o “Rei da Medicina”, dedicou-se à leitura dos sinais corporais — incluindo os olhos — para avaliar o equilíbrio entre Yin, Yang, Qi e Xue.
Neste artigo, exploramos suas contribuições, suas obras e por que, apesar das semelhanças superficiais, a abordagem chinesa não é iridologia, mas um sistema diagnóstico próprio, profundamente integrado à cosmologia oriental. Além disso, apresentamos as explicações contemporâneas de Giovanni Maciocia, autor de Os Fundamentos da Medicina Chinesa, que reforçam a centralidade dos olhos no diagnóstico chinês.
Desenvolvimento
Sun Simiao viveu durante as dinastias Sui e Tang, numa época de florescimento intelectual e médico na China. Contrário às ambições políticas, recusou convites imperiais para se dedicar à prática clínica, à escrita e à vida contemplativa. Seu legado inclui duas obras monumentais:
👉Beiji Qianjin Yao Fang (“Prescrições de Mil Ounces de Ouro para Emergências”);
👉Qianjin Yi Fang (“Prescrições Suplementares de Mil Ouncas de Ouro”).
Esses textos abrangem desde ética médica e nutrição até fitoterapia, acupuntura e diagnóstico diferencial — e, sim, a observação dos olhos.
Na MTC, os olhos não são vistos como um “mapa anatômico” da íris (como na iridologia de Peczely ou Jensen), mas como a manifestação externa do Fígado — órgão que, segundo a teoria dos Cinco Elementos, “abre nos olhos” e governa o Qi do sangue, a visão e a capacidade de planejamento.
Sun Simiao ensinava que, ao examinar um paciente, o médico deve observar:
👉Brilho ou opacidade dos olhos → indicador do Shen (espírito) e da vitalidade geral;
👉Cor da esclera → amarelada pode indicar umidade-calor no Fígado ou Vesícula;
👉Movimento ocular e fixação → espasmos ou desvio podem refletir vento interno ou deficiência de Xue;
👉Secura ou lacrimejamento excessivo → desequilíbrio entre Yin e Yang hepático.
Essa abordagem é dinâmica e funcional, não estática ou localizatória. Não se busca uma “lacuna na zona do útero”, mas sim qual padrão energético está em desequilíbrio — e como ele se expressa nos olhos.
A perspectiva contemporânea: Giovanni Maciocia e a relação entre os olhos e os Zang-Fu
No livro Os Fundamentos da Medicina Chinesa (Roca, 2000), o renomado professor e acupunturista Giovanni Maciocia oferece uma explicação clara e sistematizada da relação entre os olhos e os órgãos internos (Zang-Fu) na MTC:
“Os olhos estão ligados ao Fígado e ao elemento Madeira. O Fígado ‘se abre nos olhos’, e o estado da visão reflete a saúde do Fígado.”
Maciocia detalha:
👉Quando o sangue do Fígado é abundante, a visão é clara; quando está deficiente, há visão turva, secura ou dor ocular.
👉Distúrbios visuais (olhos vermelhos, lacrimejantes, turvos) podem indicar Calor no Fígado ou Vento interno.
A relação com outros órgãos é complementar:
👉Coração (Fogo): nutre os olhos através do Sangue.
👉Rim (Água): “raiz do Yin e do Yang do Fígado”, sustenta a função ocular em casos de deficiência de Essência ou Yin.
👉Pulmão (Metal): influencia o brilho e a vitalidade do olhar.
👉Baço (Terra): se deficiente, pode causar inchaço ou pálpebras flácidas devido à Umidade.
Ele também cita a expressão clássica da MTC: “os olhos são a flor do Fígado” — significando que a saúde do Fígado se manifesta no brilho, na cor e na vitalidade do olhar.
Em termos de Cinco Elementos e Meridianos:
👉Madeira → Fígado → Olhos
👉Fogo → Coração → Língua
👉Terra → Baço → Boca
👉Metal → Pulmão → Nariz
👉Água → Rim → Ouvidos
Essa estrutura permite explicar sintomas como:
👉Visão turva → deficiência de sangue de Fígado;
👉Olhos vermelhos → Calor no Fígado;
👉Olhos secos → deficiência de Yin do Fígado e Rim.
Conclusão
A Medicina Tradicional Chinesa e a iridologia europeia partem de cosmovisões diferentes: uma é baseada em fluxos de energia e ciclos naturais; a outra, em correspondências anatômicas e sinais estruturais.
Sun Simiao não “praticava iridologia”, mas praticava um diagnóstico visual profundo, onde os olhos revelavam o estado do Qi, do Shen e dos órgãos internos. Giovanni Maciocia, séculos depois, sistematiza essa sabedoria, mostrando que a MTC tem um diagnóstico ocular rico, preciso e funcional — mas não cartográfico.
Hoje, ao estudar ambas as tradições — como fazem pesquisadores como Deliang Zheng —, podemos construir pontes respeitosas entre Oriente e Ocidente, sem confundir sistemas, mas aprendendo com a sabedoria de cada um.
Como escreveu Sun Simiao em seu juramento ético:
“Se houver doentes que busquem ajuda, independentemente de sua condição social, riqueza ou aparência, devo tratá-los com igual compaixão.”
E talvez, nesse olhar compassivo, esteja a verdadeira “leitura dos olhos”.
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